Você sabia que em algumas cidades brasileiras é obrigatório a colocação de obras de artes em edificações? Isso mesmo! Normalmente, quando ultrapassa uma determinada área de construção a instalação de algum tipo de obra de arte torna-se obrigatória. Dependendo do local pode ser uma parede de azulejos ou uma escultura, todas, porém, em um local de destaque da edificação.
Vamos aqui analisar algumas dessas leis para mostrar-lhes as perspicácias adotadas por ela, além, talvez, do fomento das artes nos seus respectivos municípios. Além de divagar um pouco sobre: “O que é arte?”
A Pioneira…
Uma das primeiras cidades a se preocupar com essa questão foi a capital pernambucana, Recife. Nos altos dos anos 60 foi elaborada uma lei que já tratava desse assunto. Entretanto, a lei atualizada é de 1997. Ela define, dentre outras coisas, que todas as edificações recifenses com áreas iguais ou superiores a 1.000m², devem apresentar uma escultura, pintura, mural ou relevo escultórico; em local de destaque. Observando claro quem é habilitado para confecção da obra: Arquiteto e Urbanista, Desenhista Industrial, Comunicador Visual ou Artista Plástico.
Nessa lei recifense também é obrigatória a apresentação das plantas e fotografias ou 3D. Também exige que seja uma obra original, feita por artistas pernambucanos previamente cadastrados em órgão público responsável. Não é dado o “Habite-se” antes da aprovação da obra de arte pelo Conselho de Cultura.
As outras capitais que pesquisamos tem legislações semelhantes, com mudanças de áreas mínimas ou a quem deve se dar a autoria do objeto artístico, assim como em Recife, João Pessoa também restringe aos paraibanos, ou aos radicados na Paraíba, a autoria projetual.
Outras capitais…
Brasília e Belo Horizonte buscam na legislação implementar elemento artístico também em edifícios destinados a grande concentração de pessoas. No primeiro caso já é obrigatória a instalação da obra de arte em: Hospitais, Casas de Shows, Shopping Centers, dentre outros. No segundo caso há uma diminuição na metragem mínima para a instalação das obras.
Florianópolis é um caso que vai além do trivial para esse determinado tipo de lei. Já que lá praças são incluídas para receber as obras de arte, além das edificações. Também existe um estímulo para instalação desse elemento, que é o acréscimo em 2% no índice de aproveitamento para edificações acima de quatro andares. Ainda na capital catarinense a lei estipula dimensões mínimas para as obras e a obrigação da construtora ou condomínio a manutenção do elemento, assim como Porto Alegre.
Essas leis também já se aplicam no interior dos estados, a exemplo de Campina Grande (PB), que possui uma lei semelhante as demais aqui apresentadas. Contudo, apela ao artista plástico que faça uma obra dentro do contexto histórico-cultural do município, da Paraíba, do Nordeste e do Brasil.
Após essa breve análise vamos fazer uma reflexão sobre a consequência da adoção dessas medidas nos mencionados municípios, e, provavelmente, para aqueles que pretendem adotá-las.
Reflexões
O que vale comentar é sobre a aplicação dessas leis. Vamos refletir sobre algumas questões que discorrem da aplicabilidade e viabilidade, estética e funcional das obras de arte. Então para a aplicabilidade, da maioria das leis, essas se tornam relativamente burocráticas. Visto que se deseja que alguém realmente capacitado faça a obra. Mas refletindo sobre tal, elas preveem um cadastro em órgão competente dos artistas considerados aptos para exercê-las, assim não se cria um pequeno grupo relativamente privilegiado?
A ideia inicial dada por Abelardo da Hora, em Recife dos anos 60, procurava dar a cidade mais obras de artes para favorecer a cultura e a estética naquela cidade. Tornou-se uma ideia bastante viável e que movimenta, relativamente, o mercado de artes plásticas local. Quem passeia pela cidade pode observar obras de arte em locais de destaque, como é exigido pela lei, normalmente próximo a entrada principal da edificação.
Um caso a parte…
O caso de Florianópolis é interessante pois a lei define ainda mais aspectos para serem cumpridos. Lá se reflete em uma possível modificação na norma para instalação das obras de arte em locais a serem definidos por um comitê público. Entretanto, notamos que os artistas contemporâneos da cidade já levam obras interativas, estas com acesso público que permite a total interação das pessoas com o elemento artístico.
Nem tudo são flores
Mas nem tudo são flores, alguns condomínios reclamam a falta de informação sobre as exigências de manutenção. Então, podemos encontrar algumas obras em estado já depreciado precisando de reparos.
Em Porto Alegre, outro ponto que vai de encontro a essas leis, são as construtoras. Elas argumentam que fica difícil a instalação das obras de arte abertas ao público, em edifícios privados por exemplo. Além de questionarem a questão financeira para execução do elemento artístico. Todavia essas críticas são rebatidas diante dos baixos valores em comparação ao valor total da edificação.
Na capital federal alguns artistas refletem sobre a lei e lamentam: “O país será outro no dia em que não precisarmos mais disso. Mas, no estado cultural em nos encontramos, a lei é favorável”, avalia Paulo Mac Dowell. Outro ponto negativo nas cidades que não exigem o valor mínimo de investimento na obra, é a dimensão dada as obras de arte: “É a questão do custo-benefício: às vezes, o investimento é enorme e o valor da obra é pequeno”, aponta Mac Dowell.
Precisamos refletir também sobre a questão conceitual das obras e sua interação com a arquitetura. Plasticamente, nem todas as leis versam sobre o tema, mas deveria caber aos artistas e comissões de análise, a visualização da interação da obra de arte não só com o público, mas também com a estética da edificação.
Outra questão importante é: O que é arte? Será que os elementos implantados são verdadeiramente artísticos ou existem apenas para cumprir uma obrigação? Não restam dúvidas sobre o “embelezamento” realizado na cidade, antes resumida ao concreto, vidro e aço. Todavia, temos de enfrentar uma dúvida cruel algumas vezes, que nada mais é do que a definição de arte.
O que é arte?
Cada pessoa tem uma ideia própria sobre “o que é arte”, principalmente atualmente. Entretanto vamos pensar em algumas definições de arte para continuarmos a nossa análise. Segundo o dicionário a arte vem do latim: ars, artis ‘maneira de ser ou de agir, habilidade natural ou adquirida, arte, conhecimento técnico’. Além do mais, arte é um substantivo feminino com duas definições:
- Habilidade ou disposição dirigida para a execução de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional.
- Conjunto de meios e procedimentos através dos quais é possível a obtenção de finalidades práticas ou a produção de objetos; técnica.
Assim, podemos entender também que a arte é algo feito para mexer com nossas emoções. Seja para uma reação de grande alegria ou tristeza, ou uma reação de discordar veementemente daquilo (chegando a questionar se aquilo é realmente arte) ou uma reação apática.
Portanto nos cabe pensar, será que essas obras de arte instaladas nos recuos dos prédios ou em suas fachadas, normalmente sem acesso direto do público, realmente está cumprindo seu papel urbano que lhe cabe?
Felipe Crispim – Arquiteto
Será que a falta de interação, graças as barreiras como muros ou grades, não contribui para certa apatia diante dessas obras?
Dia a Dia…
No dia a dia as pessoas vão e vem sem nem notar determinados elementos artísticos. O que falta para essa interação? O local de destaque é salvaguardado por todas as leis que discorremos, então? Falta a contribuição dela para o ambiente urbano? Podemos notar que a arte dos dias atuais chega cada vez com mais interatividade e contextualização com questões políticas ou históricas. Mas, enxergamos isso nessas obras nas edificações? Na grande maioria delas não! Pelo simples fato delas também estarem segregadas urbanisticamente ou serem de tamanho irrisório diante da edificação.
Creio que a ideia de atualização da lei em Florianópolis, mais a interação do público com a obra, em conjunto com o apelo de Campina Grande por obras de destaque da cultura ou história local ou nacional, poderia contribuir com uma melhor escolha na hora de encomendar uma dessas obras de arte da lei. Bem como não deixar livre os valores monetários para a execução e estimulando por meio de artifícios como incremento no índice de aproveitamento, a exemplo da capital catarinense.
Por fim, cabe a reflexão dessas leis como estímulo visual estético e seu valor para o ambiente público. Como proceder corretamente diante dos elementos e novas regulamentações para que possamos melhorar a paisagem urbana das nossas cidades. Essa coluna procurou não só informar, mas deixar para vocês um resultado aberto: Como aperfeiçoar nossos espaços urbanos por meio de obras de arte? Qual o caminho correto? Se é que há!
Fontes
Lei do Recife:
https://leismunicipais.com.br/codigo-de-edificacoes-recife-pe
Lei em João Pessoa:
http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-content/uploads/2012/03/lei_5738_88_edif.pdf
Lei em Porto Alegre:
Lei em Florianópolis
Lei em Brasília:
http://www.cultura.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2019/02/Lei-2365.pdf
Lei em BH:
Lei em Campina Grande (PB)
http://pmcg.org.br/wp-content/uploads/2014/10/codigo-de-obras-Lei-5410.13.pdf
Fontes:
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