COMO SER ORIENTAL NO BRASIL?
Impossível não pensar que é necessário mudar de pensamento para conseguir trazer, de forma consistente, uma cultura tão distinta da nossa para a arquitetura e o design de interiores brasileiro. Ao mesmo tempo, não nos esqueçamos que a colônia oriental no Brasil é vasta e repleta de ricos elementos que trazem uma pouco do velho oriente para cá, criando contrastes lindos de ver.
O estilo oriental pode ser dividido em três grandes grupos: o extremo oriente, a arábia e o sudeste asiático. Cada um possui suas características próprias e irrevogáveis, porém com alguns materiais que se repetem com frequência e que podem servir como base visual para uma visão generalista, como a madeira, os tecidos, a translucidez dos vidros e o verde da vegetação.
Para adaptar qualquer cultura estrangeira à nossa, é necessário entender como os elementos essenciais de lá podem interferir na vida cotidiana daqui. Então, curte esse mapa abaixo com uma linha de pensamento clara, a qual denominamos “Processo dos 3Es” (Essência, Elementos e Estratégia), para conseguir atingir esse objetivo:
A ESSÊNCIA
Entender de onde vêm as influências e qual é a real espinha dorsal que vai direcionar o caminho de um projeto, que reproduza os ideais de uma cultura, é a grande razão existencial de uma arquitetura ou design que zelem por preceitos culturais.
Nada, absolutamente nada, é mais importante que isso, portanto, não saia correndo para criar o seu melhor projeto sem compreender exatamente a origem dos fatos.
Identificar o nascedouro de uma cultura leva tempo e exige muito estudo, porém cria bases sólidas para evitar clichês de projetos que desejam representar a cultura oriental, e não apenas inserir ideogramas japoneses ou luminárias chinesas de papel, por exemplo.
Por isso, entenda que devemos ir muito além do Japão e da China. Eles podem ser os países mais emblemáticos, no entanto, é preciso um olhar holístico a respeito de qualquer cultura.
A ascensão desse estilo, aqui no ocidente, se deve à visão de uma nova geração recém identificada, que preza por bem-estar e qualidade de vida: a Xennial.
Este é um grupo predominantemente composto por mulheres de 35 a 50 anos que obtiveram diversas conquistas financeiras e estabilidade econômica, resultado de grande dedicação em suas atividades profissionais, e que atualmente veem o mundo com o olhar de quem exige que todo esse esforço seja recompensado com produtos de alta qualidade, grande durabilidade e que valorizam a simplicidade.
No que se refere ao âmbito das tendências, é possível transitar facilmente entre o minimalismo e o maximalismo, apenas alterando o enfoque essencial que se quer reproduzir do estilo oriental, quebrando qualquer preconceito a respeito do uso destes opostos. Realmente, no estilo oriental, estes opostos se atraem.
O minimalismo, muito conhecido por nós, é oriundo do extremo oriente e é geralmente caracterizado pelas culturas mais conhecidas, como a japonesa e a chinesa.
Já no sudeste asiático (principalmente na Índia), encontramos ambientes extremamente coloridos, que se contrapõem ao minimalismo clássico. Essa região se assemelha bastante com a Arábia, principalmente pelo fato de não cultuarem, com frequência, ambientes com pegadas minimalistas. Por lá, tendências maximalistas, que usufruem da decoração excessiva para criar identidade, assumem o papel de protagonistas.
No entanto não se assuste, é possível unir os três grandes grupos sem pesar na mão, e foi isso que fizemos com o projeto inspiracional do REFRESHER.
OS ELEMENTOS
O sudeste asiático e a arábia são repletos de ostentação e adoração às figuras religiosas, bem como o uso de cores fortes, tapeçarias com estampas étnicas, acabamentos dourados, molduras com diversos relevos, móveis ultra detalhados e o uso intenso da seda e da lã.
Já no extremo oriente, abrangendo Japão, China e as Coréias, podemos perceber a predominância de tons pretos, brancos e vermelhos. Além disso, estampas de pássaros e sakuras (cerejeiras) nas paredes, tapeçarias diversas, almofadas e algumas cortinas.
Outro ponto importante é a presença do bambu, seja seco na forma de biombos por exemplo, ou natural, plantado e em vasos decorativos. Afinal, segundo eles esta plantinha tem o poder de atrair prosperidade.
A ESTRATÉGIA
O escritor e futurista norte-americano Alvin Toffler certa vez escreveu que “ou você tem uma estratégia própria, ou então é parte da estratégia de alguém”. Gosto de dizer que nunca será possível executar a estratégia do outro, melhor que o outro. Foi o outro quem a criou.
Por isso, crie a sua estratégia e esqueça a estratégia alheia. Esse é o único caminho rumo à identidade projetual.
Para ser Oriental no Brasil, no âmbito da arquitetura e do design, é preciso muito mais que apenas replicar um punhado de ideias soltas e icônicas dos países de origem desse estilo. É necessário mudar o foco da linhagem de arquitetura e design brasileiro, alicerçada nos nossos porquês, ao resolver a criação de um ambiente.
Pensar diferente é preciso para ser extremamente observador e fazer algo que possa ser classificado como autêntico, sem imitar aos trancos e barrancos o que lá, em seus países de origem, é feito com louvor e grande maestria.
Enfim, é necessário pensar na estratégia a ser adotada para criar algo nosso com o espírito deles. Isso sim, exemplifica o estilo oriental aqui no Brasil.
Para isso, a estratégia deve abastecer-se da essência e dos elementos, nessa mesma ordem, para que se construa um pensamento linear acerca da aplicação do estilo oriental em um ambiente brasileiro.
Lembre-se que tudo nasce no ser humano, ou seja, em quem realmente utilizará o novo espaço. Este indivíduo, apesar de preferir a estética do velho mundo, possui necessidades típicas dos habitantes daqui, do novo mundo, e deseja que as mesmas sejam plenamente atendidas, antes mesmo de raciocinar a respeito deste tema.
Fatalmente, o cliente em questão pouco se expressa abertamente sobre isso, geralmente focando seu pensamento na solução estética que será apresentada. Aí mora o perigo, cuidado!
Ancore sua solução, primeiramente no que é necessário contemplar quanto à funcionalidade, para depois revestir essa âncora (que poucos querem ver explicitamente) com todo e qualquer elemento que traduza a intenção de ser oriental. Em resumo, faça a estratégia aparecer aos olhos de quem a vê.
O viés oriental pede que características relativas a qualidade de vida estejam sempre presentes, portanto a macrotendência wellness e a tendência mindfulness podem ser casadas para criar o contexto necessário a um ambiente que busca inspiração em um estilo fatalmente oposto a muitos costumes da tradição brasileira. Assim, choques desnecessários são evitados e alinhamentos são criados, trazendo pontos essenciais à tona, como o bem-estar e a escolha por elementos únicos, em detrimento a outros tantos sem tanta relevância. Aqui, a qualidade fala bem mais alto que a quantidade.
Mas nada disso tem valor se não for aplicado diretamente em um ambiente real.
Então, mãos à obra!
O ESTILO ORIENTAL EM UM LAR BRASILEIRO, BY REFRESHER.
O projeto que você vai conhecer abaixo foi elaborado plenamente pela equipe REFRESHER e Studio Menin, unindo as premissas básicas de um estilo em ascensão aplicado a um ambiente tropical, situado dentro da cultura brasileira.
Importante lembrar que dentro de um lar brasileiro, as atividades ali desenvolvidas são inerentes aos costumes locais, sendo que a interferência de um estilo que possui raízes em outra cultura foi considerada para criar uma nova atmosfera que reproduza os aspectos funcionais do nosso país e os anseios estéticos relativos ao estilo.
Cuidamos para não transformar o ambiente em uma casa típica oriental, mas sim, nos inspiramos nos aspectos culturais do estilo e traduzimos para uma experiência ocidental, encaixando características de lá no estilo de vida daqui.
O PROJETO
Ambientes que proporcionem qualidade de vida geralmente estão atrelados ao conforto e ao aconchego, principalmente em se tratando de uma sala de estar conjugada com pequenos espaços de descompressão e relaxamento.
O convívio familiar, para a cultura oriental, é extremamente valorizado. Por isso, salas de estar e jantar normalmente são o coração da casa, formatados em espaços amplos para acomodar toda a família e os amigos, permitindo sentir que é nesse espaço que a vida acontece.
Assim, o contato com o mundo exterior, de modo visual e pleno, desde qualquer ponto do ambiente, permite manter os olhos oscilando entre visualizações de pouca distância, para a mobília e decoração, e de grande distância, para o jardim que contorna as janelas. Permitir que se veja além dos limites das paredes é a melhor representação do desejo de transpor obstáculos, ou melhor, que nenhum empecilho será intransponível se houver vontade para vencê-lo.
A luz natural é sempre muito bem-vinda, por isso a estratégia de utilizar amplas esquadrias está diretamente atrelada ao resultado final que se deseja. Elementos como, portas internas translúcidas revestidas em papel de arroz, muito típicas de lá, aqui podem resultar em conflito de funcionalidade, visto que o nosso cotidiano é mais agitado e, de certa forma, menos delicado para conviver com materiais tão frágeis. Pense bem antes de sugerir isso, ok?
Para fins de bem-estar e qualidade de vida, planejou-se a valorização de um espaço amplo e sem quaisquer segregações, talvez contrapondo-se às divisórias japonesas, mas sempre recordando que o objetivo aqui nunca é reproduzir algo lá executado, mas sim propiciar o melhor caminho para sentir o estilo e respeitar a cultura local.
Já para definir as escolhas certeiras, tão emblemáticas no que se refere ao mindfulness, a mobília central do projeto que engloba o rack de TV, traz consigo o conceito minimalista de “ser”, embarcado desde a concepção do projeto. Nada é mais importante, neste ponto, que resolver os aspectos funcionais e, ainda assim, deixar o clima leve e sereno.
DETALHE 1: EQUILÍBRIO
Já ouviu falar da arte denominada “rock balancing”? Habilidade que exige paciência e equilíbrio extremo, certamente inspira-se nos preceitos da cultura oriental para representar que é possível criar estruturas apropriando-se do peso dela própria para equilibrar uma nova forma geométrica em um único ponto. 😉
Mas, apenas empilhar partes de uma mobília não traria o resultado esperado para esse projeto. Por isso, estruturas de metal (1) fixadas na laje do teto, foram criadas para permitir um ponto central (2) de apoio ao móvel inferior com gavetas, criando a sensação de flutuação justamente por não haver quaisquer pontos de contato com o piso. Tudo parece voar.
Para garantir a estabilidade do conjunto, a mesma estrutura metálica que contorna os móveis e apoia as prateleiras superiores (acima da TV) possui contato com o canto esquerdo da linha de gavetas, impedindo o giro do móvel inferior e propiciando total flutuação no ambiente.
Tal resultado é fruto do simples apoio de peças metálicas, fixadas à arquitetura, que abraçam a mobília (3) e desafiam a gravidade. É ou não é o protagonista desse projeto?
DETALHE 2: MUNDO EXTERIOR
Neste caso, abrimos as esquadrias ao máximo e possibilitamos a entrada de iluminação natural, criando assim um grande diálogo entre interior e exterior. Perceba que para fins decorativos, algumas esquadrias possuem divisão retangular dos fechamentos em vidro, organizando o visual para um viés realmente oriental, inclusive criando a estética padrão para a elaboração de uma luminária de forro, organizada com a mesma geometria que a esquadria (4).
Também, para que haja valorização do mundo exterior, elementos originalmente de fora vieram para dentro, fazendo parte da decoração do ambiente. Bamboos (5) fazem esse papel, conectando os usuários com a natureza, sem a necessidade de saírem do aconchego do ambiente interno.
DETALHE 3: RELIGIÃO E ESTAMPAS
O ponto mais usual e simples para atacar, certamente é a decoração. Muito facilmente modificada, inclusive pelos proprietários do lar, foi planejada para ser extremamente sutil e delicada, atuando em algumas peças de movimentação constante como imagens religiosas (6) e porcelanas chinesas (7).
No entanto, o segredo para a permanência do espírito oriental no ambiente está nos demais elementos indispensáveis ao ambiente, como a tapeçaria (8) e as almofadas (9). Elas sim, caracterizam o estilo e definem com clareza os objetivos visuais traçados no início do projeto.
DETALHE 4: CONTEMPLAÇÃO
Ahhh, a arte de dar um tempo na vida agitada, parar, sentir a respiração e admirar o mundo ao nosso redor. Talvez essa seja a maior e mais importante característica deste projeto. Quem sabe, do próprio estilo oriental.
Criar a oportunidade de contemplar a paisagem existente, seja ela qual for, posicionando uma simples mesa de chá (10) ao fundo e próxima à esquadria, isolando as pessoas para que realmente hajam momentos de interação familiar sem a interferência dos meios tecnológicos.
Já para os mais introspectivos e auto suficientes, um banco lateral (11) posicionado justo ao lado de uma bela vista para o mundo exterior, com adereços, como as almofadas tipo futons, que além de caracterizar visualmente a simbologia do estilo em questão, permitem a permanência confortável para ler um bom livro ou tomar uma xícara de chá.
CONCLUSÃO
Tenha em mente que somos seres híbridos, ou seja, que desejamos mais que apenas um estilo. Por isso e para isso, o projeto desta sala de estar no estilo oriental aplicado em meio à cultura brasileira foi idealizado.
Busque o equilíbrio na hora de intervir, pois sim, intervimos com veemência na vida das pessoas. E sabe, é por isso que o nosso papel é fundamental para gerar transformações positivas a qualquer ambiente.
Para esse projeto, o mantra é: nem tanto para o norte, nem tanto para o sul, mas também nunca em cima do muro. Esse é o grande desafio que o profissional de arquitetura e design deve enfrentar de peito aberto, permitindo misturas pertinentes entre o estilo oriental e as premissas básicas do lifestyle brasileiro, excluindo exageros desmedidos e clichês que ninguém valoriza.
Seja autêntico, sempre.
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